Sempre quando o UFC desembarca no Brasil, especialmente quando as polêmicas de arbitragem ganham mais destaque do que o que aconteceu dentro do octógono, o assunto Comissão Atlética Brasileira de MMA vem à tona. Mas, para muitos fãs de MMA, mesmo aqueles que acompanham o esporte de perto, este ainda é um tema obscuro, que desperta mais dúvidas do que entendimento.
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Na segunda parte do especial do SUPER LUTAS sobre a CABMMA, preparamos uma reportagem para você tirar a limpo toda a história e entender de uma vez por todas o que é a entidade, saber como ela atua e que este não é o único órgão que atua nas artes marciais mistas no Brasil.
No primeiro texto, publicado na última quinta-feira (30), o destaque foi dado à arbitragem, com depoimentos de veteranos mediadores que nunca tiveram a oportunidade de subir no octógono e a “precária estrutura da CABMMA” na formação de novos nomes. Você pode conferir neste link.
Sobre o aspecto legal
Uma dúvida imediata quando se fala de um órgão que regulamenta uma prática esportiva é: o que é preciso para instituí-lo e iniciar suas atividades? A lista exigências não muito complexa pode deixar surpresos aqueles que perguntam, gerando certa estranheza e fazendo muitos indagarem: “Então, qualquer um pode criar uma entidade e pleitear a regulamentação do MMA?”. Pois a resposta para esta questão é “sim”, pelo menos é o que diz o Ministério do Esporte.
“Não cabe ao Governo Federal reconhecer, regular ou normatizar a prática de qualquer modalidade esportiva. A legislação garante ampla liberdade de associação e autonomia de organização a todas as modalidades. As pessoas físicas e jurídicas são livres para organizar a prática de esportes. As confederações e federações esportivas são entidades de administração do esporte tratadas como pessoa jurídica de direito privado, autônomas em relação ao Estado, assim como os clubes, entidades de prática do esporte”, disse o órgão máximo do esporte no país, em resposta ao SUPER LUTAS.
Apesar de, segundo sua própria definição, “não reconhecer, regular ou normatizar a prática de qualquer modalidade esportiva”, o Ministério do Esporte recebeu a visita de membros da Comissão Altética Brasileira de MMA no início deste ano, com o objetivo de apresentar a atuação da entidade ao Ministro George Hilton em audiência particular e conferir maior legitimidade ao exercício de suas atividades.
O que é uma Comissão Atlética?
O termo Comissão Atlética, usado para denominar a CABMMA, é derivado do seu equivalente em inglês Athletic Commission, nomenclatura adotada pelos órgãos norte-americanos que regulamentam a prática de esportes de combate nos Estados Unidos e Canadá.
Porém, ao contrário do que acontece no Brasil, estes são órgãos estatais na América do Norte – inclusive o mais famoso e reconhecido dentre eles pelos fãs de MMA, a Comissão Atlética de Nevada (NSAC).
Em sua origem, essas entidades estavam ligadas somente à regulamentação do boxe, mas hoje em dia atuam em diversos esportes de combate, e foram fundamentais para a aceitação das artes marciais mistas na cultura norte-americana e a sanção do esporte, ainda nos tempos do “Vale Tudo”.
Segundo a Associação de Comissões de Boxe (ABC), órgão máximo no quesito, a função destas entidades é “regulamentar todo tipo de disputa ou exibição de esportes de combate (referidos pelo termo ‘combates desarmados’), licenciar e supervisionar seus respectivos atletas, promotores, árbitros, jurados, empresários e matchmakers (responsáveis pelo casamento das lutas)”.
Além destas atribuições, as Comissões são responsáveis por regimentar os procedimentos de saúde e segurança, dispor informações precisas sobre o retrospecto dos atletas e desenvolver programas antidoping, a fim de coibir o uso de substâncias proibidas.
O que faz a CABMMA e quem compõe seu quadro?
Conforme citado, a CABMMA segue os padrões norte-americanos de Comissões Atléticas, órgãos governamentais nos Estados Unidos e Canadá responsáveis pela regulamentação dos esportes de combate nestes territórios. Porém, se a atuação dos órgãos é semelhante, o caso brasileiro não possui ligação com o Estado, sendo classificada como uma entidade privada sem fins lucrativos.
Segundo a própria CABMMA, o órgão “foi fundado com o intuito de cuidar, principalmente, da segurança dos atletas amadores ou profissionais, visando o crescimento seguro e organizado do esporte, segue o modelo de conduta estabelecido pela Federação Internacional de MMA (IMMAF, entidade sueca) e adota as regras da ABC como diretriz”.
Fundada em outubro de 2012, a organização não é a única do gênero no Brasil, e nem detém o monopólio da sanção das artes marciais mistas no país. Porém, acabou ganhando mais notoriedade por ser responsável pela regulamentação dos cards do UFC desde então (antes disso, o Ultimate se autorregulava em solo brasileiro) e de alguns dos maiores eventos do circuito nacional de MMA.
Atualmente, a CABMMA é presidida por Rafael Favetti, principal responsável institucional da entidade. Já Cristiano Sampaio é responsável pela Coordenação Operacional, cujas atribuições estão mais ligadas às atividades desempenhadas pela Comissão, como regulamentação, supervisão e chancela.
Outro nome importante no quadro da Comissão Atlética é o do coordenador médico Dr. Márcio Tannure, que também atua como médico do UFC e, alegadamente, já tratou atletas como Anderson Silva, Vitor Belfort e Antônio Pezão.
A relação de Tannure com a entidade que regulamenta e o principal evento por ela sancionado, foi motivo de polêmica e tema de questionamentos à direção do Ultimate, que preferiu focar sua resposta na ligação do doutor com os atletas.
“Nós lemos as mesmas coisas que todas as outras pessoas, e ouvimos o que os lutadores dizem quando agradecem ao doutor Márcio Tannure. Conheço o doutor Tannure há muito tempo, e ele diz que não trata os lutadores que dizem que ele é o seu médico particular. Esse é um assunto da CABMMA, e olhando de fora, é um tema que precisa ser analisado com muita atenção. Em minha opinião, haveria um claro conflito de interesses se o diretor médico da Comissão Atlética Brasileira de MMA fosse o médico particular dos lutadores. Não acho que seja apropriado, e acho que o doutor Tannure não acha que é apropriado. Mas esse assunto certamente será tratado com muita atenção pela Comissão”, declarou o Diretor de Conteúdo e Gerente de Desenvolvimento Internacional do UFC Marshall Zelaznik, em entrevista coletiva concedida no Brasil.
Principal árbitro de MMA brasileiro, e um dos três principais nomes da função a trabalhar no Ultimate, Mário Yamasaki atua como coordenador de arbitragem da CABMMA. Yamasaki também deu mais detalhes sobre o campo de atuação da entidade. “Nós não fazemos campeonatos, somente regulamos e auditamos”, disse.
CABMMA, CBMMA e a polêmica do Bolsa-Atleta
Por muitas vezes, as siglas CABMMA e CBMMA acabam se confundindo, mas a verdade é que se tratam de duas entidades bastante distintas.
Enquanto a Comissão Atlética Brasileira de MMA (CABMMA) regulamenta e audita competições de artes marciais mistas, a Confederação Brasileira de MMA (CBMMA) também promove e organiza torneios.
A imprecisão neste caso é tamanha que duas entidades se auto-intutulam “Confederação Brasileira de MMA, uma sob direção do mestre Kunta Kintê e outra presidida por Cauê Coffone, sucessor de Elísio Macambira no posto, a qual será referida como CBMMA.
A Confederação de MMA, no entanto, foi ligada a uma polêmica que vai além das controvérsias de arbitragem no octógono, como na atuação de Eduardo Herdy no UFC FN 62, ou mesmo a aparente falta de rigor no controle antidoping, externada com a divulgação de que nenhum teste surpresa foi realizado durante a preparação dos atletas para o UFC Goiânia 2, em maio.
No fim do ano passado, uma reportagem do blog “Olimpílulas”, do jornal “O Estado de S. Paulo”, denunciou supostas irregularidades na concessão de benefícios do programa “Bolsa Atleta”, do Governo Federal, que pela primeira vez em sua história teria atletas do MMA contemplados com seus recursos.
Segundo a reportagem, a fim de beneficiar alguns atletas com o recebimento do “Bolsa Atletica Internacional”, com valor de R$ 1.850,00 mensais, a CBMMA, então presidida por Elísio Macambira, teria forjado a participação de atletas estrangeiros em um evento local no Rio Grande do Sul e oficiado o torneio ao Ministério do Esporte como “Campeonato Sulamericano de MMA”, informação que foi questionada inclusive por lutadores que participaram do card.
Entre as principais acusações apresentadas, estavam a de que Macambira havia conseguido firmar convênios com o Ministério do Esporte graças a cinco cartas de capacidade técnica assinadas por entidades ligadas a ele, também forjado a participação de atletas estrangeiros no “Campeonato Sulamericano de MMA” para cumprir os requisitos mínimos de elegibilidade para o “Bolsa Atleta” e que seu filho, Jefferson Macambira, seria um dos beneficiários do pagamento mensal por meio da manobra.
Diante da ausência de registros oficiais que comprovem as denúncias, ou mesmo as informações documentadas pela CBMMA, o SUPER LUTAS procurou o Ministério do Esporte, que teria suspendido o pagamento do “Bolsa Atleta” aos lutadores de MMA, em busca de esclarecimentos.
A resposta, no entanto, foi vaga e deu a entender que, há pelo menos sete meses, uma apuração interna investiga o caso. “Não há atletas da modalidade MMA contemplados no programa ‘Bolsa Atleta’. O Ministério do Esporte está averiguando possíveis irregularidades na concessão de bolsas no ano passado. Enquanto a averiguação não for concluída, não é possível fornecer mais informações”, declarou o Ministério.
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