Com ‘estrutura precária’, eventos do UFC tentam se livrar de erros de arbitragem no Brasil

Na polêmica da noite, o árbitro decretou a finalização de Leandro Buscapé sobre Drew Dober. Foto: Inovafoto

O UFC FN 62, no Rio, viu um dos grandes erros de arbitragem do ano até o momento. Foto: Inovafoto

O UFC desembarcará novamente no Rio de Janeiro no próximo sábado (1º de agosto), para a realização do UFC 190. Esta será a primeira vez da maior organização de MMA do planeta na cidade desde março, quando Demian Maia e Ryan LaFlare protagonizaram a luta principal da atração realizada no ginásio do Maracanãzinho.

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Além de ver as vitórias de Maia e de Erick Silva, o evento também acabou marcado de forma negativa com erros de arbitragem. Eduardo Herdy, mediador com experiência considerável em lutas de MMA no cenário nacional e internacional, cometeu dois erros durante o UFC Fight Night 62, sendo um deles grotesco. Na luta entre Jorge Blade e Christos Giagos, demorou a intervir quando o brasileiro batia em desistência após um mata-leão do adversário.

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Em sua próxima aparição no octógono, fez o oposto: interrompeu a luta precocemente quando achou que Drew Dober havia perdido a consciência durante um estrangulamento de Leandro Buscapé, que, na verdade, já estava desencaixado.

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Herdy, no entanto, não foi o único árbitro a cometer erros de avaliação durante as lutas do UFC realizadas no Brasil (confira na galeria abaixo). A lista, na verdade, é longa, e engloba diversos outros árbitros, dos mais experientes àqueles que ainda buscam seu espaço no cenário internacional.

Justamente com a aproximação de um evento de grande porte como o UFC 190, o SUPER LUTAS preparou um especial analisando a fundo a Comissão Atlética Brasileira de MMA (CABMMA), entidade responsável por regulamentar as lutas do Ultimate no país. A primeira parte analisa a arbitragem: vamos entender quais são os critérios para a seleção dos árbitros nos eventos no país e descobrir por que há alguns outros mediadores veteranos do circuito nacional que não recebem uma oportunidade. Na segunda parte, explicaremos a fundo a função da CABMMA e algumas outras polêmicas nas quais a entidade se envolveu. Confira!

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“Estão no UFC os melhores árbitros do Brasil?”, questiona veterano

Roberto Thomaz é um dos árbitros mais conceituados do cenário nacional do MMA. De acordo com suas contas, ele já atuou em mais de mil lutas profissionais e 500 amadoras, de diversas modalidades diferentes. Mesmo assim, “Robertão”, como é conhecido, é mais um entre vários casos de árbitros que, apesar do currículo recheado, nunca pisaram no octógono do UFC.

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Em entrevista ao SUPER LUTAS, Thomaz justificou que não há a possibilidade de arbitrar um combate no Ultimate por não ter ligações com a entidade regulamentadora ou com o curso exigido para receber a licença.

“É simples: não sou ligado a CABMMA. Não fiz o curso do Mario Yamasaki”, explica Robertão, destacando que não possui nenhum tipo de desavença com o diretor de arbitragem da entidade brasileira. “Não sou cartola, não pretendo e nem estou ligado a cartolas e confederações. Não represento a oposição deste famoso árbitro internacional. Apenas o vi pessoalmente uma só vez. Passei minha vida no tatame e em competições e não tive a oportunidade de conhecê-lo”, continuou.

Veterano do MMA, Robertão (centro) nunca foi escalado para atuar no UFC. Foto: Divulgação

Porém, Thomaz aproveitou o gancho da polêmica envolvendo Eduardo Herdy no UFC Fight Night 62 para questionar o trabalho da entidade como um todo. “A coletividade do MMA e a mídia especializada repercutiu que a Comissão Brasileira vem errando em muitos eventos. Aí se questiona critérios de escolha, de formação, de preparo e também de participação. E hoje em dia nada fica encoberto. A comunicação é global, imediata, instantânea e severa em juízo de valores. Indagaram sobre a famosa meritocracia… Estariam no UFC os melhores e mais bem preparados árbitros do Brasil? O maior evento galáctico estava contando com os melhores?”, levantou o veterano.

Para Robertão, um árbitro bem capacitado precisa ter uma estrutura ao seu redor, sendo também fundamental a participação de um “mestre”, assim como acontece com os lutadores.

“Eu formei poucos árbitros porque supervisiono os meus árbitros e divido com eles todos os eventos aonde vou. Fazemos briefing antes de cada luta e, após os eventos, nos reunimos para discussão de caso. Eu acompanho a carreira de cada um. Não creio em árbitros sem mestres. Até hoje envio vídeos para meu amigo e irmão, meu mestre Flávio Almendra, para me ajudar, e ele faz o mesmo. Nós nos criticamos para melhorar. Temos, então, nosso controle de qualidade. Nunca tive uma luta com resultado alterado e não me deixei envolver em polêmicas”, orgulha-se.

Justamente pela confiança que tem em seu trabalho, Thomaz ainda sonha em um dia receber a oportunidade de arbitrar no Ultimate. “Sou um homem determinado e de fé. Pode demorar, como já demorou, mas alguém algum dia vai ver que eu poderia levar a minha alegria, minha felicidade, paixão e estilo. Eu sei que vou arbitrar o UFC, pois sei que o maior e melhor evento merece excelência profissional de um Robertão, de um Almendra, de nosso time brazuca. Eu sei que a meritocracia vai pegar o Mr. Dana [White, presidente do UFC] e os irmãos Fertitta. Eu amo arbitrar em eventos pequenos, onde descubro novos talentos, em eventos tipo ‘caldeirão’, com torcida na grade… E, se não tremo nesses, não tremerei no UFC [risos]. Sou conhecido pelo meu papo reto e não puxo o tapete de ninguém. O que eu falo eu seguro a minha onda. Não quero arbitrar no UFC em detrimento do senhor Yamasaki. Ele pode continuar lá. São muitas lutas, mas eu só preciso de uma. E meu sonho de árbitro será realizado”, declarou.

Outro experiente árbitro, Almendra critica CABMMA: ‘Estão construindo a casa pelo teto’

Flavio Almendra é árbitro de MMA profissional desde 1997. Foto: Divulgação/Circuito Talent

Assim como Robertão, Flávio Almendra é um dos árbitros com mais experiência do cenário do MMA nacional. Na função desde 1997, o carioca já teve a oportunidade de arbitrar nos principais eventos do país, como Jungle Fight, Shooto e Meca. Seu prestígio no meio é notado com os diversos prêmios que já recebeu, além de um convite inusitado: ele atua como consultor da novela Malhação, da TV Globo, que usa a temática das lutas em sua trama.

Com um currículo tão recheado, causa estranheza o fato de que Almendra jamais tenha atuado em um único evento do UFC no Brasil, quando outros árbitros com muito menos bagagem já tiveram a chance. Em entrevista ao SUPER LUTAS, ele mesmo explica o porquê. “Talvez é [por causa da] a pessoa que está escolhendo. É o critério de cada um. Achei que era uma coisa que aconteceria naturalmente, mas não sei como não aconteceu. É o critério de quem escolhe”, insistiu.

“Nós temos excelentes árbitros no Brasil. Diria que nós temos os melhores árbitros do mundo comparado com qualquer outro universo, como os Estados Unidos. Temos excelentes árbitros atuando em vários outros eventos e que não estão aparecendo, e poderia citá-los até amanhã. E não é dada a oportunidade. Não sei quais são as diretrizes da CABMMA, mas sei que eles não me querem lá. Foi uma impressão que tive”, continuou o carioca.

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Almendra também questiona o trabalho feito pela entidade brasileira e destaca que ela não vem mostrando, em sua opinião, a preocupação em trabalhar a base do esporte no país. “Assim como outras entidades, a CABMMA está começando a casa pelo teto. E isso faz com que a construção não seja segura. Em qualquer esporte que hoje é forte, começou com amador. Você só forma bons atletas, árbitros e treinadores trabalhando na base. Quanto à formação de árbitro, um curso bom que fiz durou 20 semanas. Quando é um fim de semana só, é um seminário. Eu me recuso a dar um curso hoje porque não tem onde atuar logo depois. Não há eventos. Se isso existisse, eu daria cursos amarradão”, afirmou.

Requisitos básicos

Estrangeiro Marc Goddard foi o árbitro CABMMA na luta entre Aldo e Mendes no Rio, em 2014. Foto: Josh Hedges/Zuffa LLC

Todos os eventos do UFC que são realizados em território brasileiro são inspecionados pela CABMMA. De acordo com documentos disponibilizados no site oficial da entidade, o árbitro que pleiteia atuar em atrações pela CABMMA devem possuir “alguma certificação reconhecida pela entidade”.

A CABMMA reconhece dois certificados. O primeiro deles é o de Mario Yamasaki, veterano do UFC e que também ocupa o cargo de diretor de arbitragem da comissão. Os seminários não possuem frequência determinada, mas o próximo curso a ser aplicado será entre os dias 29 e 30 de novembro, no Rio de Janeiro. Com 16 horas de duração e inscrições no valor de R$ 1399, o curso possui testes escritos e práticos e tem como objetivo ensinar “tudo o que é preciso para ingressar nos eventos de MMA nacionais e internacionais”.

O outro é o de Herb Dean, árbitro norte-americano que frequentemente atua nas principais lutas do UFC. O curso, realizado nos Estados Unidos, segue moldes semelhantes, em dois dias, mas com duração de 24 horas (ou seja, 12 por dia). O custo é de US$ 1200 e há a recomendação que o participante “mostre conhecimento em técnicas de MMA”.

No entanto, a posse do certificado não é garantia de que o postulante passe a integrar automaticamente o corpo de árbitros da CABMMA. Segundo a entidade, o candidato ainda precisa ser “selecionado para compor o quadro de oficiais”.

Diretor da CABMMA, Yamasaki admite: ‘Estrutura ainda é precária’

Mario Yamasaki é o diretor de arbitragem da CABMMA

De acordo com Mario Yamasaki, diretor de arbitragem da CABMMA, o caminho ideal a ser traçado por quem pretende mediar uma luta do UFC no Brasil começa com a aquisição de experiência em eventos de menor porte. Contudo, ele admite que a estrutura de formação de árbitros como um todo ainda deixa a desejar.

“A estrutura ainda é meio precária, pois faltam eventos que seguem os mesmos protocolos da CABMMA. Fica difícil preparar e analisar alguém em dois dias de curso e depois jogá-lo no meio de um evento para ser testado. Os cursos são excelentes e de fácil acesso, mas as pessoas têm que entender que não adianta ser faixa preta e achar que sabe de tudo. O MMA evolui muito desde o antigo vale-tudo, e hoje temos mais segurança para os atletas. O importante é investir na profissão, trabalhar o máximo possível em eventos menores fazer os cursos de reciclagem sempre que possível”, explicou Yamasaki, em entrevista ao SUPER LUTAS.

O diretor da CABMMA explica que, logo após a experiência adquirida em eventos regionais, o passo seguinte é acompanhar de perto a rotina de um árbitro em todas as atividades realizadas em um evento do UFC, o que é chamado de “sombra”. Segundo Yamasaki, a prática auxilia o postulante a “se familiarizar com a estrutura e como se portar” em um evento com a grandeza do UFC.

Camila Albuquerque foi “sombra” no UFC Uberlândia antes de estrear no octógono. Foto: Inovafoto

Mesmo assim, Yamasaki reconhece que há árbitros competentes além daqueles que possuem todos os pré-requisitos para atuarem no Ultimate, mas vê um fator que atrapalha. “Enquanto eles não se atualizarem com a arbitragem internacional e a maneira de se portar, dificilmente entrarão para arbitrar em um UFC. O ego no Brasil é mais forte que o aprendizado, e eles acham que fazendo um curso ou reciclagem estariam denegrindo suas habilidades. Isso é diferente do pensamento ‘gringo’ – para eles, quanto mais cursos e clínicas fizerem, melhor. Mas um dia isso muda”, avaliou.

Yamasaki vê que todo o episódio envolvendo Herdy no UFC FN 62, o que culminou na reversão do resultado de Dober x Buscapé para no-contest, não foi prejudicial para a imagem da CABMMA – pelo contrário, reforça a credibilidade da entidade.

“O próprio Herdy reconheceu o erro e voltou atrás na sua decisão. Achei um ato de honra. O importante é assumir isso de cabeça erguida, e acho que todos nós respeitamos mais a seriedade dos membros da CABMMA. [Agora] O que pode acontecer é ele arbitrar mais em eventos nacionais até sentir firmeza de novo para entrar no maior evento do planeta”, comentou.

O veterano árbitro vai além: para ele, Herdy deveria ser o árbitro responsável a mediar uma revanche entre Dober e Buscapé, caso ela de fato aconteça um dia. Mas, como explicou, a seleção dos árbitros para cada combate do UFC no Brasil não depende dele, e sim de uma escolha feita pela própria operação da CABMMA, baseada desde o momento em que vive o árbitro até a grandeza das lutas em questão.

No início de 2015, a CABMMA conta com nove árbitros filiados: Mário Yamasaki, Fernando Yamasaki, Eduardo Herdy, Wernei Cardoso, Osíris Maia, Camila Albuquerque, Fernando Portella, João Cláudio Soares e Leonardo Chebar. Destes, só o Mário, Camila, Fernando, Osíris e Herdy atuaram nos eventos do UFC no Brasil no ano, além dos estrangeiros “Big” John McCarthy, Leon Roberts e Kevin MacDonald. Estes, por serem licenciados por comissões de renome nos Estados Unidos, acabam automaticamente também se qualificando para atuar no Brasil.

No próximo sábado, as 13 lutas do UFC 190, encabeçadas por Ronda Rousey contra Bethe Correia, responderão se a arbitragem aprendeu com os recentes erros ou se novas polêmicas aparecerão. A ver.

Fique ligado nesta sexta-feira na segunda parte sobre o especial sobre a CABMMA produzido pelo SUPER LUTAS!

Publicado por
Bruno Ferreira