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Especial Família Gracie: Membros do clã analisam ‘sumiço’ das competições de MMA

Família Gracie em peso no PRIDE Bushido 1, em 2003. Foto: Divulgação

Família Gracie em peso no PRIDE Bushido 1, em 2003. Foto: Divulgação

Nas décadas após o histórico combate entre Hélio Gracie e Masahiko Kimura, o Gracie Jiu-Jitsu conseguiu seu objetivo de se difundir pelo mundo e conquistar o real respeito dos praticantes de outras artes marciais. O franzino Royce Gracie, filho de Hélio, desafiou os gigantes nos primórdios do UFC, conquistou títulos e ganhou ainda mais notoriedade nos Estados Unidos; já seu irmão Rickson brilhou no Japão e mostrou as técnicas da arte suave pelo Oriente.

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Nos anos seguintes, muitos outros membros da família se aventuraram nos ringues pelo mundo, incluindo Royler (irmão de Rickson e Royce) e os irmãos Renzo e Ryan, netos de Carlos Gracie. Para se ter uma ideia do peso da presença do clã nas lutas, o PRIDE, maior organização de MMA até a metade inicial da década de 2000, organizou seu primeiro evento “Bushido”, em 2003, no formato “Japão versus Gracie”, no qual cinco atletas japoneses enfrentaram cinco membros da família. Os Gracie venceram por três a dois.

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Contudo, com o passar do tempo, a presença da família em eventos de proporções mundiais diminuiu drasticamente. Até outubro, apenas um Gracie lutou em uma das quatro organizações consideradas as maiores do mundo do MMA (UFC, Bellator, WSOF e ONE FC) em 2014, com Neiman Gracie vencendo no WSOF 11, em julho. No UFC, a última vitória de um membro foi de Royce, em 1994, já que, de lá para cá, todos os que se aventuraram pelo octógono – Roger, Rolles e Renzo, além do próprio Royce, em passagem relâmpago em 2006 – saíram derrotados.

Royce é o último Gracie a vencer no UFC. Foto: Josh Hedges/Zuffa LLC

Apesar de alguns integrantes da família ainda se aventurarem pelos ringues do mundo, como é o caso de Rolles, que recentemente fez sua última luta na Polônia, a presença dos Gracie em competições de MMA é menor do que na década passada. Muitos outros membros do clã preferem trabalhar como treinadores de atletas profissionais, enquanto outros possuem academias tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, divulgando as técnicas do jiu-jitsu para cidadãos comuns, que não buscam participar de competições ou viver profissionalmente do esporte.

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Uma explicação para essa diminuição

Rodrigo Gracie, filho de Reylson e neto de Carlos, vive em Torrance, na Califórnia (EUA), onde administra sua própria academia de jiu-jitsu. Além de viajar para seminários, ele dá aula tanto para crianças como para adultos com foco em competições, MMA e defesa pessoal.

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Com base em sua própria experiência e vendo alguns casos de sua família, o lutador tenta explicar a ausência dos Gracie em competições de MMA. “Qualquer Gracie que abre uma academia vai ser bem sucedido. Você tem o nome, tem a tradição, então ele vai ter uma vantagem em relação aos outros que têm uma franquia, por exemplo. ‘Para que eu vou lutar se eu posso abrir uma academia?’. Eu não penso assim, mas sei que há muitos outros membros da família que pensam”, opinou, em entrevista ao SUPER LUTAS.

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Rodrigo fez oito lutas no MMA profissional entre 2000 e 2006, passando por eventos como PRIDE e K-1 e tendo enfrentado nomes como BJ Penn e Daiju Takase, o segundo algoz de Anderson Silva. Também conhecido por entrar nos ringues com a música-tema da série japonesa Changeman, ele destaca que a experiência de lutar foi algo que mudou sua vida. “Eu queria ser reconhecido dentro da minha família, então, por isso, fui lutar. Quando eu lutei pela primeira vez, eu amei e não conseguia parar de pensar nisso. Virou um vício. Entrar naquele ringue foi a melhor experiência da minha vida”, conta.

Lutar ou não lutar? Eis a questão

Ao se apaixonar imediatamente pela sensação de subir no ringue, Rodrigo Gracie é, naturalmente, favorável que outros membros da família passem pelo mesmo processo. Segundo ele, até mesmo quem não pretende seguir carreira como atleta deveria sentir o gosto de lutar para que a experiência enriqueça os conhecimentos de um treinador de artes marciais.

“Quando você ensinar para o seu aluno, você não vai ensinar só as técnicas, mas também a experiência – você esteve lá, sentiu o que é. Isso é ótimo para a alma do ser humano. Eu sou totalmente a favor, nem que seja uma vez, para ver como é. Foi por isso que a família ficou conhecida, com competição, com lutas”, comentou Rodrigo, que acredita que o incentivo deve partir dos membros mais velhos da família.

“Eu lutei, então eu quero que meu filho lute. Vou empurrar o meu filho para lutar. O que está acontecendo com alguns membros da família é que não há esse incentivo para que os Gracie mais jovens, os filhos, lutem. Eu tenho falado com muitos membros da minha família sobre isso. Temos que botar essa geração nova para lutar, e isso vai acontecer. Vocês vão ver mais Gracie lutando, pode ter certeza”, continuou o lutador, hoje com 39 anos de idade.

Roger (foto) foi o último Gracie a lutar no UFC. Foto: Josh Hedges/UFC

Porém, como Rodrigo adiantou, sua opinião não é unanimidade dentro da família. Reyson Gracie, seu tio, não vê motivos para que um membro do clã se arrisque no MMA. “Acho que hoje em dia é desnecessário. É para provar o quê? Que o jiu-jitsu é bom? Isso já está provado, todo mundo está fazendo jiu-jitsu por aí. Eu acho que não há a necessidade da família Gracie de participar desses eventos”, ponderou, em entrevista ao site “Portal do Vale Tudo”, também sugerindo que os membros da família continuem do lado de fora dos ringues.

“Nós podemos participar do MMA como consultores. Essa é a minha visão. Se eu fosse viver nos Estados Unidos, eu não iria lutar, mas eu poderia preparar lutadores como já fiz ao longo da vida. Eles podem representar o jiu-jitsu ou não, se quiserem representar outra modalidade, não tem problema”, acrescentou.

Regras modernas do MMA atrapalham, diz Rickson

Os membros da família Gracie que pretendem lutar no MMA depois de anos competindo no jiu-jitsu precisam lidar com um fator que não se via há 20 anos. As regras adotadas atualmente pelo UFC são diferentes em relação àquelas dos primórdios do Vale-Tudo, onde não havia limite de peso, tempo, nem restrições quanto à vestimenta dos lutadores. Hoje, o Ultimate conta com lutas de três ou cinco rounds de cinco minutos cada, sendo que, após este período, há a decisão dos juízes. Já o quimono, marca registrada de Royce no inicio do UFC, não é mais permitido dentro do octógono.

De acordo com Rickson Gracie, a evolução das regras do MMA acabaram por prejudicar os atletas advindos do jiu-jitsu. “O jiu-jitsu sempre foi a espinha dorsal do MMA. Mas as regras atuais conduzem as lutas mais para a trocação do que para a luta de chão por serem rounds curtos e os juízes não deixarem a luta se desenvolver no chão. Mandam levantar se não tiver uma dinâmica. Isso faz os lutadores se tornarem mais explosivos. Hoje o esporte é diferente. [Antigamente] A estratégia e capacidade de colocar em prática seu jiu-jitsu eram muito maiores”, comparou o lendário lutador, em entrevista ao portal “UOL”.

Neste aspecto, Rodrigo Gracie vê o PRIDE, extinto em 2007, como um ambiente menos desfavorável ao jiu-jitsu. “Uma coisa que eu gostava do PRIDE é que não interessava se o oponente te derrubasse dez vezes. Se você tivesse por baixo e tentasse várias finalizações, quem ganhava era você. A queda não contava muito. Já no UFC, se o cara te derrubar e ficar dando soco, mesmo que você tente um armlock ou um triângulo, os juízes dão a vitória à pessoa que estava por cima. E os lutadores usam as regras, se adaptam às regras”, avaliou.

Família Gracie atua em peso como treinadores

Cesar Gracie (esq.) ao lado de N. Diaz (dir.) após conquista de cinturão. Foto: Strikeforce/Divulgação

Se dentro dos ringues os membros da família Gracie não são tão numerosos quanto antigamente, o mesmo não pode se dizer em relação aos corners. Os mais veteranos membros do clã seguem atuando em peso na preparação de atletas de elite do MMA mundial.

Renzo Gracie, veterano do PRIDE e UFC, tem em seu currículo o trabalho feito com nomes como Georges St. Pierre, Chris Weidman, Frankie Edgar e Matt Serra, todos já campeões do Ultimate em suas categorias. Já César Gracie, primo de Renzo, comanda um forte time no estado norte-americano da Califórnia, com Nick Diaz, Gilbert Melendez, Nate Diaz e Jake Shields treinando sob sua tutela.

A presença dos Gracie no estafe de lutadores de destaque gerou uma situação inusitada no ano passado. No UFC Fight Night 30, os irmãos Rener e Ryron, filhos de Rorion e netos de Hélio, ficaram em lados opostos do córner na luta principal do evento, entre Lyoto Machida e Mark Muñoz.

Rener, Lyoto, Muñoz e Ryron no UFC. Foto: Reprodução/Instagram

O fato em si representa uma mudança de cultura em relação aos membros mais velhos da família, já que o pai dos lutadores não aprovou a ideia de início. “Quando contei ao meu pai que eu e Ryron estaríamos no córner um contra o outro, ele não gostou. Para ele, uma luta não é pelo esporte, e sim pela honra. Ele é da segunda geração e ainda acredita que isso é muito maior do que o esporte”, explicou Rener, em entrevista ao site do canal “Combate”, em 2013.

“Eu e meu irmão somos parte da terceira geração da família Gracie. Essa geração é bem diferente da segunda geração. Antes, era Gracie contra outra arte marcial. Mas as coisas mudaram muito. Hoje, é um esporte, e não aquela coisa de defender a honra da família. É um esporte como futebol, basquete, é um jogo. E os caras são atletas profissionais nesse esporte que é o MMA, no qual se inclui o jiu-jitsu. São profissionais que precisam ganhar dinheiro, pagar as contas e ganhar o respeito por serem os melhores no que fazem”, continuou o atleta.

Mantendo a essência do jiu-jitsu

Família Gracie em 1981, com os jovens Royler e Royce sentados nas extremidades. Foto: Divulgação

O clã Gracie ainda conta com nomes que podem despontar em breve no cenário internacional do MMA. Roger, último membro da família a lutar no UFC, recentemente assinou contrato com a organização asiática ONE FC; Kyra, pentacampeã mundial de jiu-jitsu, não descartou sua entrada no MMA, embora uma migração pareça cada dia mais distante. Mas a aposta do momento é Kron, filho de Rickson, que deverá estrear em breve no MMA aos 26 anos de idade.

Tendo já passado pela experiência de representar o sobrenome Gracie no MMA, Rodrigo alerta que é preciso ser feito um trabalho psicológico. “Duas coisas podem acontecer com quem tem o sobrenome Gracie: ou é uma bênção, ou uma maldição. Para mim, o nome Gracie ajudou a me empurrar para frente. Mas tem gente da família que o nome pesa tanto que coloca muita pressão. Se você tiver determinação, vai ser ótimo. Se não, vai ser um peso”, avisou.

E, para ele, o foco não deve ser voltado somente ao lado psicológico, mas também dentro do ringue. Com a evolução do esporte e de seus atletas, a preparação dentro da academia também precisa ser diferente em relação ao visto antigamente.

Rodrigo, instantes antes de enfrentar Penn. Foto: Reprodução

“Agora o que você vê é uma pessoa excepcional em boxe, excepcional em wrestling e excepcional em jiu-jitsu. O lutador é excelente em todos os aspectos. Na minha opinião, a nova geração da família deveria estar treinando de tudo desde cedo. Jiu-jitsu, como a base, claro, mas fazendo boxe, muay thai, para poder facilitar as finalizações no chão, com determinação, disciplina e foco. Treinar, treinar, treinar tudo”, enfatizou Rodrigo.

Para o filho de Reylson, no entanto, o objetivo da família Gracie vai além do triunfo em competições esportivas: é preciso trabalhar para que as raízes do jiu-jitsu sejam fortalecidas. “Esses dias eu estava assistindo ao desenho ‘Os Simpsons’ e teve uma cena em que o Homer foi brigar com um cara. Esse cara disse: ‘Você quer brigar comigo? Eu sei jiu-jitsu”. Aí ele se jogou no chão e falou para o Homer subir em cima dele. Ou seja, tem muita gente que vê a imagem do jiu-jitsu assim”, explicou Rodrigo.

“O que está acontecendo é que as academias estão voltadas ao jiu-jitsu de competição que está se perdendo este lado da defesa pessoal. Essa é a base, a raiz de tudo. Eu acho que todas as academias de jiu-jitsu deveriam ensinar a defesa pessoal primeiro e, depois de isso ter sido aprendido bem, aí sim vai para a competição. Eu só não quero que o jiu-jitsu perca sua essência, que é o fraco ganhando do forte”, concluiu o treinador.

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Publicado por
Bruno Ferreira
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