Todo texto é escrito para ser lido. Este, entretanto, eu gostaria que fosse ainda mais. Não porque acredito que ele contenha as linhas mais incríveis da galáxia e que por isso mereça ser “apreciado”. Mas para que o discurso que diverge do que tomou conta da maioria das formas de se comunicar, das rodas de conversa às redes sociais, também tenha vez. O assunto, tratado nesta madrugada do domingo, 7 de julho de 2013, não poderia fugir da derrota de Anderson Silva para Chris Weidman no UFC 162.
Começo pelo óbvio: Anderson Silva ainda é o maior lutador de MMA de todos os tempos. Seu reinado – que alguns podem traduzir como invencibilidade – pode não ter sido o mais longo da modalidade, mas possui números inquestionáveis. E mais do que isso, para não resumir a observação à frieza dos dados, a forma como conquistou esses recordes foi impressionante. Além disso, já sem ser um jovem, o fez em um momento de evidente aprimoramento tático do esporte – em que a combinação técnica, física e psicológica se encontra em um patamar como nunca visto anteriormente. Mas ressalto: cabe discordância. E a aceito.
Dito isso, continuo por um ponto que considero fundamental na discussão sobre a derrota diante de Chris Weidman: o comportamento “desrespeitoso” do brasileiro. Talvez surpreenda aos que não estão habituados a ver o Spider lutar o que ele apresentou contra o norte-americano no combate, mas não a mim. Este é, usualmente, Anderson Silva dentro do octógono. É o estilo que o consagrou como um dos campeões mais indiscutíveis da história do MMA e que o fez protagonizar momentos espetaculares em suas vitórias – e agora, por consequência, um tão vexatório na derrota. Não é ilegal. Pode ser imoral. Mas convenhamos, moralismo a essa altura pode soar como oportunismo, motivado pelo choque natural diante de um fracasso surpreendente.
Se há uma coisa que aprendi com José Miguel Wisnik, que norteou toda a produção da monografia para conclusão da minha graduação, é que o esporte é isso: lidar, constantemente, com a sensação de perda, ou de que se pode perder. Um limite que se Anderson Silva ou os fãs ignoraram, o fizeram de maneira muito equivocada. A disputa consiste nisso. Não existe o invencível no esporte. E mesmo que alguém tenha passado por um desporto sem ser derrotado, certamente conviveu diariamente com a sensação de poderia sê-lo. Se não há o imbatível, por outro lado há os favoritos. E o favoritismo, por condição histórica, é a causa da surpresa no revés.
Mas há então outra questão importante a ser debatida: o quanto Anderson perdeu a medida em sua postura? Há uma óbvia limitação de realizar tal aferição objetivamente. Partimos, então, para escalas subjetivas. Minha opinião é de que o Spider dosou mal a intensidade dessa característica do seu jogo. Como já havia feito em outras oportunidades, é bom ressaltar – a mais gritante delas, acredito, no UFC 112, contra Demian Maia. O que faz saltar aos olhos desta vez ainda mais tal escolha infeliz, me parece evidente, é o resultado final. Antes, encobria-se, embora não totalmente, o equívoco do brasileiro na euforia da vitória. Ainda assim, pela média geral, a estratégia do ex-campeão se mostrou eficiente. Contundo, como ficou comprovado, não é infalível.
O que nos leva a um fator que tem sido pouco lembrado sobre o confronto: havia outro cara do lado de lá do octógono. Um lutador invicto que tem em seu cartel vitórias contra, ninguém menos, que: Demian Maia, Mark Muñoz, o “Homem-ambulância” e sensação do TUF 17 Uriah Hall e, agora, Anderson Silva. Chris Weidman fez uma grande luta. O norte-americano conseguiu explorar uma brecha até então pouco comentada no jogo do brasileiro, fugindo da noção recorrente de que para vencer o Spider era preciso ter um bom nível de wrestling para levá-lo ao chão e então acertar a mão para castigá-lo no ground and pound.
Weidman, usando um termo bem popular, “deu corda para que Anderson se enforcasse”. Não dá para negar que ele ficou um pouco abalado com o o jogo mental do brasileiro, mas não o suficiente para que passasse despercebida a grande oportunidade de derrotar o adversário. O novo campeão foi perspicaz ao notar o comportamento desmedido do oponente – que não desferiu um contragolpe, mesmo depois de duas ótimas esquivas – e, como mencionou na coletiva após o evento, não parou de avançar. Insistiu em um terceiro golpe, de esquerda, que tocou o queixo do Spider e o levou ao chão. O destino do combate foi selado ali. Os ataques seguintes, inclusive mais potentes, foram um mero adereço. O estrago já havia sido feito. A surpresa de um toque inesperado fez Anderson Silva, um dia após um “selinho” insólito em Chris Weidman na pesagem, beijar a lona pela primeira vez em toda sua carreira.
PS: O autor se desculpa pelo infame jogo de palavras. Certamente é fruto da produção ainda no calor do acontecimento e da conclusão quase às seis da manhã do domingo, dia 7 de julho de 2013, o “day after”.