Opinião: O peso do beijo (na lona)

Por: Lucas Carrano, editor do Super Lutas

Nunca uma legenda foi tão desnecessária. Foto: Josh Hedges/UFC

Nunca uma legenda foi tão desnecessária. Foto: Josh Hedges/UFC

Todo texto é escrito para ser lido. Este, entretanto, eu gostaria que fosse ainda mais. Não porque acredito que ele contenha as linhas mais incríveis da galáxia e que por isso mereça ser “apreciado”. Mas para que o discurso que diverge do que tomou conta da maioria das formas de se comunicar, das rodas de conversa às redes sociais, também tenha vez. O assunto, tratado nesta madrugada do domingo, 7 de julho de 2013, não poderia fugir da derrota de Anderson Silva para Chris Weidman no UFC 162.

Começo pelo óbvio: Anderson Silva ainda é o maior lutador de MMA de todos os tempos. Seu reinado – que alguns podem traduzir como invencibilidade – pode não ter sido o mais longo da modalidade, mas possui números inquestionáveis. E mais do que isso, para não resumir a observação à frieza dos dados, a forma como conquistou esses recordes foi impressionante. Além disso, já sem ser um jovem, o fez em um momento de evidente aprimoramento tático do esporte – em que a combinação técnica, física e psicológica se encontra em um patamar como nunca visto anteriormente. Mas ressalto: cabe discordância. E a aceito.

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Dito isso, continuo por um ponto que considero fundamental na discussão sobre a derrota diante de Chris Weidman: o comportamento “desrespeitoso” do brasileiro. Talvez surpreenda aos que não estão habituados a ver o Spider lutar o que ele apresentou contra o norte-americano no combate, mas não a mim. Este é, usualmente, Anderson Silva dentro do octógono. É o estilo que o consagrou como um dos campeões mais indiscutíveis da história do MMA e que o fez protagonizar momentos espetaculares em suas vitórias – e agora, por consequência, um tão vexatório na derrota. Não é ilegal. Pode ser imoral. Mas convenhamos, moralismo a essa altura pode soar como oportunismo, motivado pelo choque natural diante de um fracasso surpreendente.

Se há uma coisa que aprendi com José Miguel Wisnik, que norteou toda a produção da monografia para conclusão da minha graduação, é que o esporte é isso: lidar, constantemente, com a sensação de perda, ou de que se pode perder. Um limite que se Anderson Silva ou os fãs ignoraram, o fizeram de maneira muito equivocada. A disputa consiste nisso. Não existe o invencível no esporte. E mesmo que alguém tenha passado por um desporto sem ser derrotado, certamente conviveu diariamente com a sensação de poderia sê-lo. Se não há o imbatível, por outro lado há os favoritos. E o favoritismo, por condição histórica, é a causa da surpresa no revés.

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Mas há então outra questão importante a ser debatida: o quanto Anderson perdeu a medida em sua postura? Há uma óbvia limitação de realizar tal aferição objetivamente. Partimos, então, para escalas subjetivas. Minha opinião é de que o Spider dosou mal a intensidade dessa característica do seu jogo. Como já havia feito em outras oportunidades, é bom ressaltar – a mais gritante delas, acredito, no UFC 112, contra Demian Maia. O que faz saltar aos olhos desta vez ainda mais tal escolha infeliz, me parece evidente, é o resultado final. Antes, encobria-se, embora não totalmente, o equívoco do brasileiro na euforia da vitória. Ainda assim, pela média geral, a estratégia do ex-campeão se mostrou eficiente. Contundo, como ficou comprovado, não é infalível.

O que nos leva a um fator que tem sido pouco lembrado sobre o confronto: havia outro cara do lado de lá do octógono. Um lutador invicto que tem em seu cartel vitórias contra, ninguém menos, que: Demian Maia, Mark Muñoz, o “Homem-ambulância” e sensação do TUF 17 Uriah Hall e, agora, Anderson Silva. Chris Weidman fez uma grande luta. O norte-americano conseguiu explorar uma brecha até então pouco comentada no jogo do brasileiro, fugindo da noção recorrente de que para vencer o Spider era preciso ter um bom nível de wrestling para levá-lo ao chão e então acertar a mão para castigá-lo no ground and pound.

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Weidman, usando um termo bem popular, “deu corda para que Anderson se enforcasse”. Não dá para negar que ele ficou um pouco abalado com o o jogo mental do brasileiro, mas não o suficiente para que passasse despercebida a grande oportunidade de derrotar o adversário. O novo campeão foi perspicaz ao notar o comportamento desmedido do oponente – que não desferiu um contragolpe, mesmo depois de duas ótimas esquivas – e, como mencionou na coletiva após o evento, não parou de avançar. Insistiu em um terceiro golpe, de esquerda, que tocou o queixo do Spider e o levou ao chão. O destino do combate foi selado ali. Os ataques seguintes, inclusive mais potentes, foram um mero adereço. O estrago já havia sido feito. A surpresa de um toque inesperado fez Anderson Silva, um dia após um “selinho” insólito em Chris Weidman na pesagem, beijar a lona pela primeira vez em toda sua carreira.

PS: O autor se desculpa pelo infame jogo de palavras. Certamente é fruto da produção ainda no calor do acontecimento e da conclusão quase às seis da manhã do domingo, dia 7 de julho de 2013, o “day after”.

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Comentários

6 respostas para “Opinião: O peso do beijo (na lona)”

  1. Alexandre Duarte disse:

    Texto muito bem feito e, justamente por isso, faço questão de comentar minha discórdia com parte dele.

    Weidman venceu de forma justa e honesta. Isso não se discute. Ele venceu, viu a oportunidade foi lá e fez. Entretanto, não posso aceitar isso como “mérito”. Na minha humilde opinião isso nada mais é do que a obrigação de quem entra no octógono do UFC. Buscar o combate e tentar definir. Erro grosseiro do ex-campeão. Não fico elocubrando a enorme quantidade de “SE” que poderiam ser aventadas. Entretanto, analisando do fim do primeiro round até a fatídica asneira do Spider, este tinha a luta na mão. Descupe discordar também sobre o cartel de Weidman. Dos citados, Anderson, nem se comenta, literalmente deu a luta. Há alguma dúvida de que “se” (rs….) o Anderson tivesse levado a luta a sério o resultado seria diferente? Apesar de não ter bola de cristal e nem poderes mediúnicos, tenho certeza absoluta que Wiedman teria virado estatística. Uriah Hall não era o que é hoje. Veio numa ascendência fenomenal. Demian Maia numa época em que ele não sabia o que fazer no 8. Hoje, voltou ao seu normal. Obviamente que estou fazendo uma crítica um tanto ácida sobre o cartel do garoto, mas realmente não vejo nisso um argumento de peso. É um bom lutador, sem dúvida. Cara muito esforçado. Ainda não é nada de excepcional. Pode até vir a ser.
    Agora, sobre a humildade, colo com vc. Fala sobre isso quem não conhece a carreira. Aliás, creio que quando se trata de competição, humildade não tem muito lugar. Ainda mais quando estamos de falando bolsas generosas. Todos procuram emoção. E a demonstração da superioridade é que torna o evento (de qualquer esporte), interessante. Fosse eu o oponente e o campeão me respeitasse, de forma a não fazer tudo o que pode/sabe para que EU não fique mal? Eu quero mais é que o cara dê TUDO de si para me vencer. Não há forma mais respeitosa de se lutar do que mostrando que vc merece toda a força, pois é um oponente real.

    Mesmo com algumas discordâncias, parabéns pelo texto lúcido. Bem escrito. Dá vontade de debater. Agradeço pela oportunidade de responder a um texto de tanta qualidade. Forte abraço.

    • Lucas Carrano disse:

      Alexandre,

      Eu que agradeço pelas palavras, mesmo as de divergência. Quando se trabalha escrevendo, raramente há tal reconhecimento. Como jornalista, fico muito feliz em saber que produzi um texto capaz de agradar até aqueles que não estão de acordo com tudo que ele contém – aliás, meu trabalho não é convencer todos a pensar como eu, não sou lobista.

      Sobre suas ponderações, vou me ater à parte sobre o cartel do Weidman. Entendo o que diz sobre as condições de cada vitória no histórico do norte-americano (e até concordo que ele ainda não é um lutador incontestável), mas também acho que não podemos nos render demais ao extremo oposto, relativizando todos os triunfos do novo campeão.

      Todo combate possui nuances e condições históricas distintas – logo, mesmo em uma revanche, nenhum confronto ou momento de um atleta pode ser reproduzido novamente. Mas acredito que não tem como analisar de maneira negativa o cartel do Weidman, mesmo com qualquer ressalva.

      No que diz respeito à relação Anderson – Weidman, acho que você chegou a um ponto interessante: se o Spider tentou, tão intensamente, desestabilizar e conquistar vantagem mental sobre o norte-americano é porque reconheceu nele um dos adversários que mais ameaçaram (ou o que mais ameaçou) seu reinado. A forma como acabou perdido em próprio jogo é outra conversa.

      No mais, forte abraço.

      Lucas

  2. Danielle disse:

    Vendido? Esnobe? Palhaço? Difícil achar definições para essa posição que o Campeão se colocou.
    Sem mea-culpa. Acho que não foi só eu quem reparou que essa luta e nada pra ele foi a mesma coisa. Ele quis realmente entregar a cinta pro Weidman. Acredito também que de caso pensado, mas de repente não tomando um knockout. Parecia que ele iria levar a “zuera” até o limite da paciência do desafiante, mas deu no que deu. Chris Weidman NÃO TEVE MÉRITO POOOOOORRA NENHUMA!!! Não mudo uma vírgula do que coloquei em um blog ontem a noite antes da luta, depois de ver uma entrevista no Canal Combate antecedendo o evento: ANDERSON SILVA CANSOU! ALOPROU! Essa luta com o CW foi uma afronta à ele. Um cara que tem um card ridículo dentro o UFC, fazer frente ao Campeão. Só na cabeça do mercenário do D.White. Mais dia, menos dia, isso vai vir a tona, pode apostar! Vocês quiseram fazer o Campeão de palhaço? Ele terminou de chutar a lona do circo… Não disseram que o moleque era melhor? Pronto! Foi a gota que transbordou o copo! QUEM ERA CHRIS WEIDMAN, PELAMORDEDEUS???
    As palavras do AS foram claras como água: ele não quer mais essa vida!
    Já vem de uma queda de braço com UFC a tempos, pela renovação de apenas 4 lutas e não 10 como previsto no contrato. Sabia que se ganhasse com ênfase, seria OBRIGADO a realizar a tal da SUPER LUTA, no qual ele não queria e deixou isso bem claro. Lógico, calhou das apostas no menino Weidman darem certo, o palpite dos outros lutadores, influenciados pelo Chefão Master, para poder haver venda de pay-per-view, e lotar o MGM, pois se não fosse assim, não daria lucro. Tem muuuuito $$$ envolvido, fato. Mas não tanto a ponto de ser conveniente uma vitória do Spider. É um absurdo um lutador dessa magnitude, um Showman, receber tão pouco em um dos esportes em mais ascensão no mundo. Um exemplo é o pugilista Floyd Mayweather, que vai receber o equivalente à US$100 milhões por 2 lutas no ano. Existe sim, equiparações. Conversando com pessoas ligadas ao meio, pude ter essa comprovação. É CLARO, que ninguém vem a público e revela o lado obscuro do esporte, principalmente na lei do cabresto que é imposta ao UFC: Manda quem pode, obedece quem tem juízo! E o Spider mostrou que não é bem assim. Já houveram desavenças entre ele e o Poderoso Chefão, mas sempre foram colocados panos quentes. Spider é sinônimo de $$$ para a organização. E ele provou que o cinturão pra ele, nada mais era que um adorno na cintura. Ele já ganhou tudo o que tinha pra ganhar. Não precisa provar mais nada. E com essa “derrota”, dá um gás na organização. Pode ter certeza que vai haver reboliços nas categorias. E que esse cinturão vai começar a girar entre os atletas. Era mais ou menos isso que desejava o UFC,. O fato é: condições tinha-se de sobra para o espetáculo (de verdade) do Spider.Quanto ao desrespeito, ele nunca soube o que foi isso. Por este mesmo motivo, varreu todos da categoria. E o povo sempre apoiou! Hipocrisia brasileira…

  3. Vinícius Egidio disse:

    A sua colocação “Este é, usualmente, Anderson Silva dentro do octógono” e a forma como você coloca a palavra desrespeitoso entre aspas tenta de alguma forma suavizar o comportamento dele e justificar sua forma petulante de agir, mas é uma estratégia sem fundamento.

    Não importa se ele sempre se comportou assim desde o início de sua carreira ou se ele só fez isso nas últimas lutas. O fato dele ter este hábito não o torna menos desrespeitoso ou anti-esportivo. Seguindo esta mesma linha de raciocínio seria o mesmo que dizer que uma pessoa preconceituosa e que faz piadas racistas na verdade não é racista porque “ela é usualmente assim”.

    Sinceramente é triste ver essas tentativas patéticas de tentar suavizar as atitudes dele. É claro que muitos só estão falando isso agora que ele perdeu, mas mesmo quando ele ainda era campeão eu sempre achei este tipo de comportamento infantil e presunçoso. Felizmente isso se tornou mais evidente para os outros agora.

    • Lucas Carrano disse:

      Vinícius,

      Primeiramente agradeço por seu comentário. Quem dera se todos que leram e concordaram/discordaram do texto, ou de algo nele, agissem da mesma maneira. Não me acomodo no discurso verticalizado, acredito no diálogo.

      Sobre sua colocação, acho que pode não ter compreendido bem o intuito dos trechos. Não se trata, ali, de fazer juízo de valor. E deixo claro adiante quando cito a questão do moralismo.

      Não sei também se foi uma boa aplicação de silogismo no paralelo traçado com o preconceito. São premissas distintas. No fim das contas, a postura do atleta é uma discussão moral, motivada por valores.

      Como também chamei a atenção no texto, tal artifício não é ilegal. O que existe, é um código de conduta velado que tenta moralizar o esporte – mas que, ao meu ver, mesmo tão disseminado e pouco reflexivo, só fecha os olhos para o que acontece diariamente.

      O zagueiro que fala no pé do ouvido do atacante, o atleta habilidoso que faz questão de tentar o drible mais desconcertante no mesmo zagueiro, o tenista que comemora um ponto olhando fixamente e gritando “C’mon!” para o adversário, o jogador de basquete que cai aos berros na cara daquele pivô depois de um toco espetacular, entre tantos outros exemplos.

      Dentro de concepções particulares, a raiva pelo ocorrido, ou mesmo a satisfação e comemoração ao ver a derrota de tal maneira é justificável e, obviamente, aceitável. Diria até que é um dos motores do esporte. Só não concordo com a universalização disso. De tratar a postura do ex-campeão como uma cotovelada ilegal, uma joelhada com quatro apoios ou como se ele até hoje tivesse lutado armado com um bastão de madeira contra adversários que só tinham os próprios punhos.

      Sobre suavizar, novamente é um julgamento moral próprio, e ainda assim acho que tenha destacado o suficiente o equívoco do Spider – que acabou por torná-lo a maior vítima do seu próprio plano de jogo.

      Abraço,

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