Há exatos 15 anos, Bibiano Fernandes calçava as luvas e disputava sua primeira luta profissional no MMA. Atuando pelo Jungle Fight, o atleta vencia seu compromisso e dava início a uma trajetória que o colocaria como atual campeão dos galos do ONE FC, uma das principais organizações de artes marciais mistas do mundo. Em entrevista exclusiva ao SUPER LUTAS, o manauara falou sobre sua carreira e sobre os obstáculos encontrados em sua participação no esporte.
Com infância pobre, Bibiano conheceu as artes marciais a partir do jiu-jitsu. Humilde, o jovem dividia o tempo lavando carros e jogando futebol, até que conheceu a arte suave e se encantou com o esporte.
“Eu jogava bola do lado do bairro onde eu morava. Eu fui lavando carros, aí, um amigo me mostrou o jiu-jitsu. Vi o Royce Gracie lutando contra Dan Severn (1994). Nessa época, eu já fazia jiu-jitsu. Eu tinha 13 ou 14 anos de idade”, contou o lutador.
Mesmo com gosto pela modalidade, as dificuldades financeiras acabavam dificultando a continuidade de Fernandes em arcar com os custos da academia em que praticava. Segundo o campeão, ele chegou a cogitar abandonar o esporte por não ter condições de se manter na atividade.
“Uma senhora que pagava para eu lutar jiu-jitsu, mas uma hora ela não tinha dinheiro para pagar. Aí tive que chegar no meu mestre e falar que não tinha mais condições. Ele me disse: ‘Não, cara, treina aí, limpa a academia, cuida da academia quando a galera chegar e continue’. Aí eu fiz tudo isso. Depois de um tempo, ele disse que não precisava mais limpar a academia, e que era para eu treinar para ser campeão mundial”, declarou o manauara.
Com várias conquistas na arte suave, e a difusão do MMA no mundo no início dos anos 2000, foi uma questão de tempo para que Bibiano migrasse para as artes marciais mistas. Após presenciar uma das edições do extinto PRIDE, em 2003, o atleta confessou que se sentiu interessado a se testar em um estilo diferente de combate.
“(O gosto pelo MMA) começou quando eu fui para o Japão. Fui assistir o PRIDE e vi a luta do (Rodrigo) Minotauro contra o Mirko Cro Cop, e o Minotauro finalizou ele no ‘arm lock’ (chave de braço). A partir daí, eu fiquei com interesse de competir. Foi quando voltei para o Brasil e disputei o ‘Jungle Fight’.
Logo em sua primeira apresentação nas artes marciais mistas, em 2004, Bibiano já mostrou seu cartão de visitas. O manauara precisou de menos de um minuto para bater Luis Figueroa. A vitória veio justamente com sua arma principal: o jiu-jitsu.
Após o triunfo, Fernandes conheceu a derrota pela primeira vez quando se encontrou com Urijah Faber, em 2006. Logo em sua segunda apresentação, o atleta foi escalado para encarar o norte-americano pelo cinturão do KOTC (King of The Cage). O brasileiro não saiu vitorioso, mas acumulou experiência para o seguimento de sua carreira.
Entre 2008 e 2011, com mais rodagem e totalmente à vontade na modalidade, o manauara conseguiu um retrospecto de 10 vitórias em 11 apresentações. As boas atuações fizeram com que suas performances chamassem a atenção da diretoria do ONE FC, que contratou o atleta como promessa da empresa.
Pela organização, Bibiano se tornou um atleta incontestável. Até o momento, são 14 apresentações, um título mundial e o respeito pelos lutadores e fãs ao redor do mundo. Além de ser o homem forte dos galos, conquistado em 2013, o brasileiro ostenta o maior número de defesas de cinturão. Ao todo, são oito vezes em que o manauara trocou forças com seus oponentes para se manter no topo da categoria. Para o tupiniquim, o segredo do sucesso está no foco e determinação e, principalmente, treinamento.
“Aqui onde eu moro (Canadá) não tem sol. A praia é longe. Então, é treinar”, brincou Fernandes após mostrar o tempo nublado na varanda de sua casa. Lá em Manaus (AM), também não tem praia, então, só o que você vai fazer é treinar jiu-jitsu”, disse Fernandes.
Com muitos fundamentos essenciais para se formar um grande atleta, com 15 anos de carreira, Bibiano também falou um pouco sobre a questão do respeito entre um atleta e outro antes da realização de um combate. O manauara discorda da ideia de que, para se realizar um bom confronto, deve se fazer o uso das provocações e desrespeito – o famoso ‘Trash Talk’ -, visto tantas vezes na atualidade do esporte.
“Você não precisa esculachar seu adversário para poder ganhar um público maior, entendeu? Porque na Ásia, não funciona assim. Eles são muito disciplinados. O que vai fazer a diferença para você lá, é seu potencial. Sua capacidade de vencer. No resto, sua empresa vai cuidar de você e promover você”, disse o brasileiro.
Fernandes, ainda, se lembrou de Conor McGregor, atleta ex-campeão de duas divisões do UFC e que se tornou famoso, além de suas performances, por fazer uso de uma maneira de promover as lutas que extrapola os limites do respeito no esporte.
“Você vê o (Conor) McGregor. Ele chegou e acabou. O Khabib está aí, Renzo Gracie está aí, o Royce Gracie está aí, o Georges St-Pierre está aí. Esse estilo de luta promove, mas o mundo não precisa de mais coisas negativas”, desabafou o atleta.
Sem lutar em sua terra natal desde 2004, Bibiano esclarece que tem o desejo de voltar a se apresentar para seus compatriotas. No entanto, após realizar lutas em quase 10 países diferentes, considera todos os públicos para quem atuou como seus próprios conterrâneos.
“O Brasil é um país que eu amo. É o meu país, só que eu virei cidadão do mundo. Hoje, eu viajo o mundo todo. Eu estou na Tailândia, estou no Brasil, em Manila, estava no Japão, nos Estados Unidos. Então eu estou sempre viajando, mas, com certeza, lutaria no Brasil, só que prefiro lutar contra um japonês ou outro cara, mas não contra um brasileiro”, contou o campeão.
Campeão mundial há mais de seis anos, Fernandes também conversou sobre a escassez de cinturões masculinos nas maiores empresas de MMA do mundo. No momento, nas maiores empresas de artes marciais do mundo, apenas Bibiano (ONE FC) e Patrício ‘Pitbull’ (Bellator). Para o lutador, o sucesso é baseado na persistência e foco. Assim, é possível se chegar ao objetivo maior em qualquer modalidade.
“Tudo está no foco. No Brasil, é muito fácil se distrair. Tem muitas coisas que você pode se perder no Brasil. O Patrício tem a família dele. Eu tenho minha família, meus filhos; eu moro no Canadá, como eu te disse, aqui nem sol tem, cara. Então, qualquer coisa que for fazer, tem que estar focado.
O posto de número um dos galos do ONE, nos últimos três anos, chegou a ser abalado após o surgimento da rivalidade entre Bibiano e o filipino Kevin Belingon. Entre 2016 e 2019, os combatentes se enfrentaram por quatro vezes, com três vitórias para o brasileiro e uma para o adversário, a quem o brasileiro considera seu maior rival no esporte.
“Não só o Kevin, mas ele tinha o diferencial. Eu tive que lutar contra ele e contra a nação filipina toda. E a torcida filipina é complicada”, contou o brasileiro.
Em sua última apresentação contra Belingon, que ocorreu há pouco menos de duas semanas, no evento que marcou a 100ª edição do ONE, Fernandes tirou o rival para escanteio e descartou qualquer possibilidade de encarar o filipino em um futuro próximo.
Aos 39 anos, Bibiano mostra muita consciência ao falar do processo de recuperação entre um combate e outro. Para ele, mais do que cuidar do corpo, é importante cuidar da cabeça e dar o tempo de descanso necessário entre os compromissos.
“Eu vejo o ser humano igual um carro. Eu não tomo açúcar, e eu não tomo leite. A preparação física é muito importante. Quando você chega a uma certa idade, a pessoa chega a um momento em que prepara apenas o corpo, mas se esquece da mente. Se eu puxo muito meu corpo, eu vou quebrar ele. Então, eu tenho que dar uma segurada. O dinheiro é bom, mas o dinheiro não vai trazer minha saúde de volta”, afirmou o lutador.
Póximo de completar 40 anos (março de 2020), Fernandes prefere não escolher seu próximo oponente para mais uma defesa de cinturão. No entanto, com uma carreira vitoriosa, o atleta tem um desejo de resolver uma pendência do passado.
“Eu cheguei em uma situação da minha vida que um poderia pedir uma oportunidade para lutar novamente contra Urijah Faber. No começo da minha trajetória, eu peguei ele. Foi bem no início da minha trajetória. Ele já tinha 17 lutas e eu estava apenas com uma luta. Essa poderia ser a única luta que eu gostaria de pedir”, finalizou o atleta.
Com 39 anos, hoje, Bibiano já soma 28 lutas desde estreou como profissional no MMA. Ao todo, são 24 vitórias e apenas quatro derrotas.